Há 30 anos, os grandes nomes da música mundial encaravam shows no país como uma aventura arriscada. Agora, fazem fila para ganhar aplausos - e dólares - aqui
Revista Época. HUMBERTO MAIA JUNIOR E MARCELO MOURA. COM MARIANA SHIRAI, ANDRÉ SOLLITTO E MAURÍCIO MEIRELES
Dois quilômetros separam o palco principal do novo Rock in Rio, festival que começa às 19 horas da próxima sexta-feira, do palco do Rock in Rio 1 – cujas estruturas de concreto ainda estão em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, após 26 anos. A maior distância entre os dois eventos não é de espaço ou de tempo. É da realidade que os cerca. O Rock in Rio de 1985 reuniu em dez dias 14 grupos estrangeiros, mais do que o Brasil havia recebido nos dez anos anteriores. Treze deles eram inéditos no país. Das 30 atrações internacionais do Rock in Rio de 2011, 21 já vieram antes. Quase todos os grandes nomes da música tocaram no país. Quem não veio está a caminho: Justin Bieber confirmou cinco apresentações em outubro, e Lady Gaga promete shows para 2012. Há 30 anos, tocar aqui era uma aposta incerta. Hoje, é visto como fundamental em turnês mundiais. O que mudou? Mudaram o Brasil, a indústria cultural do país e o papel dos shows para os artistas. Uma revolução que teve no primeiro Rock in Rio seu marco inicial.
No ano passado, ocorreram no país mais de 50 shows internacionais. Em 2011, o calendário tem mais de 100 grandes atrações. Nomes como U2, Paul McCartney, Iron Maiden, Amy Winehouse já tocaram. Até o fim do ano, o público poderá ver Red Hot Chili Peppers, Eric Clapton, Deep Purple, Pearl Jam, Elton John, Metallica, Stevie Wonder, Coldplay, Jamiroquai, Shakira, Ke$ha e Britney Spears. Isso só entre as atrações de maior apelo. O cardápio brasileiro de shows já atende a paladares específicos, com opções como o músico etíope Mulatu Astatke, o jazzista Yusef Lateef e o Tinariwen, grupo de música africana formado por nômades do Deserto do Saara. Festivais de médio porte como Natura Nós, Planeta Terra e SWU tornam o público brasileiro acostumado a encarar os shows estrangeiros como um programa cotidiano, como ir ao teatro.
Paul McCartney, que tinha três décadas de carreira antes de tocar pela primeira vez no Brasil, em 1990, desde 2010 já veio duas vezes, para cinco apresentações. Novas estrelas não perdem tanto tempo. Katy Perry virá para o Rock in Rio dois anos depois de estrear em turnês internacionais. Rihanna, outra atração inédita, está na estrada há apenas cinco anos. Mesmo a britânica Radiohead, pouco afeita a tocar longe de casa, se apresentou no Rio de Janeiro e em São Paulo, em 2009. “Hoje o país é uma das praças fundamentais para o sucesso de uma turnê”, disse a ÉPOCA Bono, vocalista da banda irlandesa U2 (leia a entrevista). Segundo as estimativas do mercado, a indústria brasileira de entretenimento deverá movimentar R$ 1,5 bilhão em 2011 e chegar a R$ 2 bilhões em 2015.
Há 30 anos, era muito raro um pop star se apresentar no Brasil. Há 15 anos, era esporádico. Hoje, é corriqueiro. A estabilidade econômica diminuiu o risco do investimento para os promotores, que deixaram de presenciar guinadas repentinas da cotação do dólar ou da inflação. O crescimento da renda fez surgir um imenso público que esgota os ingressos vendidos pela internet em questão de horas. A crise econômica mundial e as mudanças no mercado da música também favoreceram o Brasil. O faturamento de uma banda vem hoje majoritariamente da venda de ingressos, e não mais da venda de CDs. Com dinheiro para gastar, o país deixou de depender de seus apelos culturais – Carnaval, caipirinha e de uma plateia animada – para atrair os grandes artistas.
Até a década de 1970, as estrelas da música mundial vinham ao Brasil não para trabalhar, mas para passar férias. Em 1968, Mick Jagger levou sua namorada, Marianne Faithfull, para tomar sol no Rio de Janeiro. Dois anos depois, Janis Joplin conheceu as praias cariocas. “Não era por preconceito que eles não vinham tocar. É que não tínhamos condições de trabalho”, diz o empresário William Crunfly,
que trouxe o Queen para o Brasil em 1981. Segundo ele, faltavam empresas de iluminação e sonorização. Nem transportadoras especializadas existiam.
“Quando dizia a um empresário que queria organizar uma turnê de seu artista na América do Sul, era tratado como se quisesse levar um filho dele para a guerra”, diz o promotor Phil Rodriguez. Foi nesse cenário que Rodriguez trouxe Joe Cocker para tocar em 1977. Cocker reclamava de tudo, da falta de camarins à precariedade do som. A revista Música relatou a ironia do intérprete da famosa versão de With a little help from my friends, dos Beatles: “Todo mundo trouxe sabonete para tomar banho? Como? Ah, não precisa. Não tem chuveiro no camarim”. Em 1980, Frank Sinatra exigiu receber seu cachê de US$ 1 milhão 15 dias antes de subir ao palco ou nem sairia dos Estados Unidos. Em caso de chuva, a apresentação no Maracanã seria adiada porque o sistema de som não era à prova d’água. No fim, deu certo: o chuvisco parou 15 minutos antes, o evento foi transmitido pela televisão e entrou para o livro dos recordes ao reunir 165 mil pessoas num show solo. Mesmo assim, deu prejuízo de US$ 250 mil. A banda britânica The Police foi ao Rio de Janeiro no auge, em 1982, e não conseguiu lotar o Maracanãzinho. Os dois shows foram na véspera do Carnaval – um deles em dia de jogo do Flamengo. “Foi muito ruim, não dava para escutar direito”, diz o jornalista Arthur Dapieve, autor do livro BRock – O rock brasileiro dos anos 80.“A acústica do ginásio era péssima, a ponto de eu ter dificuldade para reconhecer as músicas.” Quando o Kiss veio, em 1983, o promotor do evento confiscou o equipamento da banda por desavenças em relação ao pagamento do cachê. O Rock in Rio de 1985 reuniu um público recorde de 1,5 milhão de pessoas e conseguiu apenas zerar as contas. O promotor Roberto Medina esperava lucrar em uma segunda edição do evento, em 1986, mas a autorização estadual para o uso da Cidade do Rock foi cassada e as instalações, avaliadas em US$ 4,5 milhões, demolidas. Com incertezas jurídicas, técnicas e econômicas, era difícil convencer um artista estrangeiro a tocar no Brasil, até porque muitos mal se apresentavam longe de casa.

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