quarta-feira, 27 de abril de 2011

O fim da culpa: com mães trabalhando ou não, os filhos se adaptam, mostra pesquisa

Que mãe está verdadeiramente satisfeita com o tempo dispensado e gasto com os filhos? Levante a mão ou faça o primeiro comentário aquela que não carrega um grama de culpa.

Pois bem, para aliviar a barra que nós, mães culpadas, que não levantamos a mão, trabalhamos fora e gostamos verdadeiramente de estar com nossos filhos, carregamos, a psicóloga, escritora e mãe Cecília Troiano, 46 anos, tem uma boa notícia. Crianças se adaptam à realidade, e constroem seu ideal de felicidade em torno das próprias experiências. Para as crianças, tanto faz se a mãe trabalha ou não fora, desde que essa seja uma situação bem resolvida, afirma Cecília, depois de ouvir 500 crianças e jovens, filhos da classe AB paulista. Autora de Vida de Equilibrista: dores e delícias da mãe que trabalha, Cecília acaba de lançar seu segundo livro, Aprendiz de equilibrista: Como ensinar os filhos a conciliar família e carreira, escrito com base nessa pesquisa.

Entrevistei Cecília ontem para o Mulher7x7.

Mulhe7x7: Sua pesquisa é a redenção para nossa culpa?
Cecília Troiano: (risos) No sentido de que precisamos perder essa mania de achar que tudo que acontecesse é porque a gente trabalha. Se a mãe está bem resolvida, com qualquer situação, os filhos vivem bem com isso. O trabalho não está pautando o projeto de felicidade dos nossos filhos.

Mães que não trabalham fora dão mais atenção às crianças?

Não. O que eu percebo é que a mãe tempo integral, quando tem hora extra, quer fazer algo por si, ao passo que a mãe que trabalha usa seu tempo extra para se dedicar aos filhos. Certa vez ouvi de um pediatra que ausência de mãe é prejudicial, mas excesso de mãe também intoxica. Não se pode abandonar, mas também não dá para cultivar essa ilusão de que eles precisam de nós tempo integral. Filho precisa de espaço e entender que a mãe sai e retorna, que a vida é assim, faz parte da educação deles.

Tem um dado aparentemente contraditório na resposta dos filhos: vêem com naturalidade a mãe trabalhar, mas reclamam mais presença dela. É dos filhos quererem sempre mais ou tem aí uma ausência sentida que a mãe não consegue compensar?

Quando perguntei o que eles gostariam de mudar na mãe, apareceu essa demanda de “ficar mais tempo comigo”, mas, ao mesmo tempo, ganhar mais dinheiro. Os filhos sempre querem o melhor dos dois mundos. Os filhos maiores, sobretudo, vêem benefícios no fato de a mãe trabalhar. Mas criança sempre quer mais. Se deixar, vê o mesmo filme dez vezes. Tem um pouco isso, da criança não se conformar, o que é próprio da criança e não uma expressão da ausência da mãe. Suas filhas, que são pequenas estão nessa fase, não é? Adolescente também têm demandas, mas também querem os seus momentos.

Quando a senhora pergunta as justificativas dos filhos para o fato de a mãe trabalhar fora, aparecem apenas dados materiais: ganhar dinheiro, dar vida melhor à família e comprar coisas para eles. A senhora mesma chama a atenção que, ou é uma história que precisa ser mais bem contada, ou está todo mundo trabalhando só para pagar contas. Como essa pesquisa pegou classes mais abastadas, não parece ser o caso de só pagar as contas. Isso me chamou a atenção. Não estamos diante de um modelo equivocado de valores transmitidos às crianças?

Focar apenas o lado econômico realmente é passar a idéia de que trabalho é só fonte de sacrifício. A gente passa o modelo errado de conquista e gratificação que o trabalho pode trazer. Uma psicopedagoga que entrevistei disse que precisamos falar de preço e valor. Preço é o que eu ganho, o dinheiro. O valor é a realização. É possível ter as duas coisas no mesmo lugar.

No item “atividades associadas à mamãe” aparece arrumação da casa, obrigações, obrigações, e lá pelo sexto lugar “brincar com os filhos”. Com os pais é diferente. Esse item aparece mais alto na lista das prioridades. Quer dizer que a mulher é a que não para e o papai é o divertido da história?

Parece que, mesmo as mulheres que contam com os maridos, ficam muito no fazer, fazer, fazer,enquanto os pais parecem aproveitar mais a curtição. É um recado para a mulher abrir mais espaço para o homem assumir certas obrigações e se aproximar mais da brincadeira. No meu primeiro livro, eu publico a carta de um pai carioca falando justamente disso. Até porque muita mulher não abre mão desse território de poder: eu faço, eu decido, aí fica esse círculo vicioso, a mãe faz tudo, e o pai brinca.

A que conclusão a senhora chegou depois de ouvir tantos filhos?

Eles serão melhores equilibristas do que nós. Tendem a buscar mais equilíbrio na vida profissional e, possivelmente, irão usufruir de papéis mais bem definidos para homens e mulheres como pais e mães de uma família. O trabalho sempre será importante pelo dinheiro que traz, esse é o motor da economia, mas também por outros valores que agreguem à nossa vida.

Fiquei pensando nessa história do “mamãe vai trabalhar para ganhar dinheiro”. Por que se passamos a idéia de que o nosso trabalho existe apenas para pagar contas e comprar coisas legais, e se o nosso trabalho também rouba nosso tempo ao lado deles, é lógico que nossos filhos vão crescer com a idéia de que é preciso trabalhar menos, mas pelo motivo errado. Não porque imaginam uma vida mais prazerosa no convívio com a família, mas porque estarão escapando do inevitável sacrifício do trabalho.

E mais: ainda que hoje seu trabalho não lhe traga o prazer sonhado, ou por mais que você trabalhe apenas para pagar contas, você pode ensinar aos seus filhos que o trabalho deles poderá, sim, ser outra fonte de prazer e realização, um desejo legítimo e necessário, do tamanho exato do sonho de uma criança.

Fonte: Isabel Clemente, Revista Época.

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