sábado, 6 de novembro de 2010

O vento vai soprar a favor de Dilma?

A economia mundial favoreceu o governo Lula, com crédito farto e a elevação do preço de matérias-primas que exportamos. Agora, há sinais de que o cenário pode mudar. O que o novo governo pode – e deve – fazer!
A palavra-chave para a eleição de Dilma Rousseff como presidente do Brasil foi continuidade. Praticamente desconhecida dos brasileiros, sem nunca ter participado de uma campanha eleitoral, Dilma chegou aos 56 milhões de votos principalmente porque o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu convencer a maioria dos brasileiros de que ela manteria seus programas, sua política, seus ideais. E, consequentemente, seu sucesso econômico, do Bolsa Família à explosão de consumo, da elevação das reservas financeiras à descoberta do pré-sal. Todo o roteiro da campanha eleitoral baseava-se em combinar com o eleitor essa continuidade. Os brasileiros, viu-se no dia 31, aceitaram o acordo. Agora falta combinar com o resto do mundo. Uma das principais razões para o sucesso do governo Lula foi um cenário internacional extremamente favorável. Quando Lula assumiu a Presidência, em 2003, a economia mundial crescia a um ritmo extraordinário. E, para crescer assim, o mundo precisava de algo que o Brasil tem de sobra: matérias-primas. O clima de euforia global permitiu ao Brasil dobrar suas exportações em apenas cinco anos.
Há muitos sinais de que Dilma – e, com ela, a nação inteira – pode não ter a mesma sorte. O Brasil deverá fechar o ano, segundo estimativas do Banco Central, com um total de US$ 180 bilhões em exportações. São 18% a mais que no ano passado, mas ainda 9% abaixo que os US$ 198 bilhões alcançados em 2008, um recorde histórico. “Lula pegou o governo com ventania de popa. Dilma vai receber o governo com ventania de proa”, diz o economista Antônio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura nos anos 60 e 70 (leia a entrevista). “A ajuda que a economia mundial deu ao período Lula já terminou ou está terminando.”
Um forte sinal disso foi dado na semana passada, com o anúncio de mais um pacote econômico nos Estados Unidos. De acordo com o plano, o governo americano comprará títulos públicos no mercado – US$ 75 bilhões por mês, até o total de US$ 600 bilhões em meados de 2011. Ao comprar os títulos, a equipe do presidente Barack Obama estará injetando dinheiro vivo nos bancos privados. Se o plano der certo, o custo do dinheiro (a taxa de juro) cairá e os bilhões terminarão emprestados a cidadãos e empresas, para que eles consumam e produzam mais. No médio prazo, isso significaria uma recuperação mais rápida da economia dos Estados Unidos e do mundo, o que beneficiaria o Brasil.
Pouca gente, porém, acredita nesse desfecho feliz, porque os Estados Unidos vivem uma crise de confiança. Se o problema fosse apenas falta de dinheiro na praça, ele fluiria e seria usado para compras e investimentos produtivos. Mas a taxa de juro americana já está baixíssima, em 0,25% ao ano, e isso não tem ajudado. “Não adianta ficar jogando dólar de helicóptero na economia porque isso não fará brotar o crescimento”, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, numa frase reproduzida no mundo inteiro.
O mais provável, dizem os críticos, é que esse dinheiro extra migre para outros países – inclusive para o Brasil, onde a taxa de juros (10,75% ao ano) é 43 vezes maior que a americana. Dando certo ou não, o plano tem um efeito imediato ruim para os brasileiros. A enxurrada de dólares deverá desvalorizar ainda mais a moeda americana e tornar relativamente mais caro e menos competitivo tudo o que for produzido em outras moedas, como o real. (É esse tipo de investimento, que procura ganhos fáceis, que o Brasil quer controlar. Daí veio o aumento recente do pedágio cobrado do capital especulativo que ingressa no país, de 2% para 4% e depois de 4% para 6%, na semana passada. É uma medida paliativa, que cumpre um papel pontual.)
“Ainda estamos muito longe de um retorno pleno à saúde econômica”, afirma o economista e jornalista Martin Wolf, principal comentarista e editor adjunto do jornal britânico Financial Times. “Apesar de a política monetária estar muito agressiva, com juros muito baixos, a retomada da economia está fraca.”
Além disso, economistas têm alertado sobre uma espécie de guerra cambial, alimentada principalmente pela política da China de subvalorização de sua moeda, o iuane, para estimular exportações. A China parece empenhada em estimular o consumo interno, para depender menos das exportações, mas até agora resiste à mudança do câmbio.
Em contrapartida, os preços das matérias-primas exportadas pelo Brasil, como minério de ferro, soja e açúcar, já recuperaram boa parte das perdas que tiveram com a crise mundial, ajudados pelo crescimento de países emergentes como China e Índia. Isso ajuda, mas não é suficiente para compensar a retração econômica nos países desenvolvidos.
Há um aspecto benéfico para o Brasil na fraqueza mundial. Com os juros nos países desenvolvidos próximos de zero, há abundância de capitais no mundo à procura de oportunidades de investimento produtivo – e o Brasil, neste caso, também aparece no radar como um dos destinos preferidos. Há, portanto, uma janela para aproveitar os recursos externos para ajudar a financiar os investimentos que o Brasil precisa fazer. Calcula-se que essa janela seja de dois anos, até que a economia mundial se recupere e os juros voltem a subir no exterior, lá pelo final de 2012.
Se há dólares de sobra lá fora para investir, há poucos para consumir. Por isso, as exportações brasileiras enfrentam problemas. Dilma terá de se voltar para o mercado interno, reforçando a estratégia do governo Lula desde a explosão da atual crise global, em 2008. Naquela ocasião, o governo brasileiro adotou uma política anticíclica, de investir dinheiro público quando a economia está retraída. Deu tão certo que o Brasil foi um dos últimos países a entrar e um dos primeiros a sair da crise. Só que, junto com o bem-vindo estímulo, o governo aproveitou para engordar a máquina administrativa e distribuir algumas benesses para servidores e aposentados – que cobram um preço alto no futuro.
A conta já está chegando, e Dilma terá de lidar com essa herança. Ela parece estar consciente disso. Em seu primeiro discurso como presidente eleita, adotou a defesa da austeridade fiscal, um tema que havia descartado na campanha. Aproximou-se do discurso dos ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci e Antônio Delfim Netto. A proposta deles é permitir que as despesas públicas aumentem sempre menos que o Produto Interno Bruto (PIB) para levar a uma redução gradual da dívida do governo (que dobrou durante os oito anos do governo Lula, para R$ 1,7 trilhão).
Dilma assumiu o compromisso de zelar pelo tripé que permitiu a consolidação da estabilidade econômica do país na última década – o equilíbrio das contas públicas, o sistema de metas de inflação e a política de câmbio flutuante. “Cuidaremos de nossa economia com toda a responsabilidade. O povo brasileiro não aceita mais a inflação como solução irresponsável para eventuais desequilíbrios. Não aceita que governos gastem acima do que seja sustentável”, afirmou.
Dilma também anunciou na semana passada mais uma meta ousada: reduzir os juros reais (acima da inflação) da Selic, a taxa básica de juro da economia, dos atuais 5,5% ao ano para a faixa de 2% ao ano até 2014. É uma promessa difícil de cumprir. Mas, se seguir essa trilha, ainda que avance menos do que prometeu, já terá feito um bem enorme ao país. Poucas coisas são tão letais para o crescimento econômico do país quanto os juros altos.
Dilma ainda se disse disposta a promover uma reforma tributária e reduzir o peso dos impostos sobre a produção e o consumo. Um dia depois, porém, deu a entender que poderá ressuscitar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), cuja rejeição no Congresso Nacional em 2007 foi a maior derrota política de Lula em seus dois mandatos. É uma contradição – e é provável que ainda ouçamos muitas neste período de transição de governo.
Os rumos da futura administração Dilma ficarão mais claros quando forem anunciados os primeiros nomes de sua equipe econômica. O presidente Lula defende a permanência da atual equipe, com o ministro Guido Mantega na Fazenda e o presidente do BC, Henrique Meirelles, no mesmo lugar. Dilma tem boa relação com Mantega, a quem costuma chamar de Guidinho, e também com Meirelles. Outra figura importante é o economista Luciano Coutinho, atual presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ex-professor de Dilma na Universidade de Campinas, Unicamp, no interior de São Paulo, um núcleo de ideias desenvolvimentistas, Luciano transformou o BNDES num dos polos mais dinâmicos do governo Lula. Articulou complexas fusões para a formação de grandes grupos de capital nacional em condições de disputar o mercado global e goza da admiração de Dilma.

Também é comentado nos corredores do poder o nome do empresário Abílio Diniz, do Grupo Pão de Açúcar. Fala-se que ele pode ir para a pasta do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, hoje ocupada pelo ex-jornalista Miguel Jorge. É dada como certa a permanência de José Sérgio Gabrielli à frente da Petrobras, para liderar a epopeia da empresa na exploração do pré-sal e a transformação do Brasil numa potência petrolífera global, e da pernambucana Maria Fernanda Ramos Coelho na presidência da Caixa, pelos excelentes resultados que obteve na expansão do crédito para a habitação.
Além do cenário externo adverso, Dilma terá de enfrentar imensos desafios no país. Do equilíbrio das contas públicas à queda dos juros, da questão cambial aos impostos que massacram o setor produtivo e o consumidor, ela precisará demonstrar que pode não apenas manter tudo aquilo que o país conquistou no governo Lula, mas ir além. Como ex-ministra-chefe da Casa Civil e, nas palavras de Lula, “mãe do PAC”, o Programa de Aceleração do Crescimento, que mapeou algumas das principais necessidades de infraestrutura do país no atual governo, ela está aparentemente aparelhada para enfrentá-los. Seu maior desafio, talvez, será criar as condições para o Brasil acelerar o crescimento econômico de forma sustentável, acima dos 5% ao ano, sem gerar pressões inflacionárias que possam comprometer a estabilidade.
O Brasil, hoje, é o país dos gargalos. Há o gargalo da energia, dos portos, dos aeroportos, da logística, das estradas, sem falar nos mais sentidos pela população, como educação, rede de esgotos, saúde. O país precisa de centenas de bilhões de reais para modernizar sua infraestrutura, que provoca ineficiências mortais para a competitividade das empresas brasileiras no mercado mundial. Tem também de concretizar o projeto da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
Fora isso, é preciso elaborar uma política agrícola consistente, melhorar a qualificação dos trabalhadores e formar mão de obra especializada – que já está em falta até em atividades como a construção civil, na qual há escassez de pedreiros, e no agronegócio. “Hoje, dentro de um programa de mecanização da colheita que estamos implementando, usamos uma máquina que custa US$ 1 milhão – toda automática, com GPS, entradas de computador, ar-condicionado”, diz o executivo Marcos Lutz, presidente executivo da Cosan, uma das maiores produtoras de açúcar e álcool de cana-de-açúcar do mundo. “Mas está difícil encontrar operador de colheitadeira para contratar.”
Para enfrentar os gargalos e tornar o desenvolvimento brasileiro sustentável, Dilma precisará de todo o investimento com que puder contar, inclusive o estrangeiro (que desdenhou durante a campanha). E, para ter capacidade de investimento federal, terá de resolver várias armadilhas que estão a sua frente. É o que veremos nos itens abaixo:
  1. Controlar as contas públicas
  2. Manter a inflação baixa
  3. Diminuir o peso dos impostos
  4. Reformar as aposentadorias
  5. Negociar os esquelestos do Congresso
  6. Segurar a valorização do Real
  7. Reduzir os juros
  8. Melhorar o ambiente de negócios
  9. Ampliar a poupança interna
  10. Aumentar os investimentos
  11. Preparar o codadão para o futuro
  12. Conciliar crescimento e preservação
  13. Estimular a Inovação
FONTE : Revista Época

Nenhum comentário: