segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Com que idade a criança pode sair só?


A carioca Lívia Araújo, de 12 anos, é uma extrovertida representante de turma. Usa salto alto, batom e vai ao salão de beleza. Enfim, é uma mocinha. Mas Lívia não sai sozinha de casa. Mesmo para a escola, a dez minutos de casa, vai sempre acompanhada pela mãe. “Confio na minha filha, mas as ruas estão violentas e os motoristas não respeitam os sinais”, diz a mãe e funcionária pública Marlucia Nascimento. Sozinha, só no shopping. Marlucia lembra que, em sua própria infância, aos 9 anos ela perambulava só. “Os tempos são outros”, diz. “A hora de soltá-la vai chegar.” Lívia não reclama: nenhuma das amigas anda sem um adulto por perto.

A preocupação de Marlucia, de 48 anos, é legítima. Na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, onde moram, não há um dia sem um assalto, uma bala perdida ou um crime qualquer. Em 2003, o bairro ficou marcado pela morte de Gabriela Prado, aos 14 anos, num tiroteio no metrô no primeiro dia em que saía sozinha de casa. Nas últimas décadas, a violência modificou a rotina de pais e filhos. Se as crianças da geração anterior começavam a sair sem os pais por volta dos 10, 11 anos, agora raramente os filhos de classe média se aventuram sós pelas ruas antes da adolescência. “Os alunos vêm para a escola sozinhos a partir do sétimo ou oitavo ano”, diz a diretora do Colégio Mopi, a psicopedagoga Regina Canedo. Há 36 anos à frente da escola que fundou, ela diz que normalmente os pais começam a deixar os filhos mais livres quando eles reclamam. “A hora de saírem sós, muitas vezes, é imposta pelos filhos. Os pais têm razão em ter cuidado, mas não podem mantê-los debaixo da asa até a vida adulta”, diz.

No começo de setembro, o jornal americano The New York Times mostrou como as crianças estão indo cada vez menos sozinhas para a escola. Segundo uma pesquisa da National Household Travel – que mede o uso dos meios de transporte naquele país –, em 1969 41% dos alunos iam sozinhos a pé ou de bicicleta até o colégio. Em 2001, eram apenas 13%. Pais americanos acompanham os filhos até em caminhadas de dois quarteirões. Em alguns casos, ao buscar os filhos na escola, eles colocam um papel com o nome da criança à frente do carro para que um funcionário da escola localize por rádio o aluno no prédio e o traga. Em São Francisco, um estudo entre pais que levam seus filhos de 10 a 14 anos ao colégio revelou que metade não deixaria que eles andassem desacompanhados e 30% afirmaram que o medo de estranhos é o responsável por sua decisão. Nos Estados Unidos, o maior temor é o rapto de crianças.

No Brasil, “o fator violência é concreto e de fato não ajuda a estimular comportamentos de autonomia”, diz a pedagoga Patrícia Lins e Silva, diretora da Escola Parque, no Rio de Janeiro. Ela acredita que a preocupação dos pais é justa, mas que é preciso levar em conta a importância do desenvolvimento dos jovens. “Entre 12 e 14 anos, eles lutam bravamente pelo direito de experimentar as próprias asas”, afirma.

O empresário paulistano Ricardo Ribes, de 47 anos, leva o filho Matheus, de 13, a todos os lugares, incluindo o colégio, que fica muito perto de onde moram, no Morumbi, bairro nobre de São Paulo. “Tenho medo de assaltos e atropelamentos. Ele e um amigo foram assaltados no caminho da padaria que fica na esquina de nossa casa.” Ricardo minimiza a proteção. “Os trajetos são bons também para a gente conversar”, diz. Matheus adora a presença do pai. Mas não nega que gostaria de ter um pouco mais de independência. “Preferiria ir para certos lugares sozinho”, afirma.

No Brasil e nos Estados Unidos, os especialistas em crianças identificaram, além da violência nas ruas, outro fenômeno que faz com que os pais adiem libertar os filhos: a superproteção, ou overparenting, como é chamada em inglês a exagerada influência dos pais na vida das crianças, em todos os seus aspectos. Interferência nas amizades, cobranças exacerbadas sobre o aprendizado e, em grande escala, o medo da relação da criança com o mundo. O resultado desse comportamento pode ser o desenvolvimento de um adulto sem iniciativa, inseguro e com dificuldades de relacionamento. “O medo da violência das ruas é uma realidade. Mas toma proporções maiores por conta da superproteção”, afirma a psicóloga Ceres Araújo, professora da PUC-SP. Ela diz ainda que as famílias de classe média normalmente se espelham umas nas outras, padronizando as atitudes. “Mesmo que um filho mereça confiança para começar a sair desacompanhado, dificilmente os pais deixarão se outros amigos ainda não tiverem a mesma liberdade. Eles têm medo de estar sendo inconsequentes”, afirma.

Em abril do ano passado, a escritora americana Leonore Skenazy causou polêmica ao contar, em sua coluna no jornal The New York Sun, que havia deixado seu filho Izzy, de 9 anos, andar sozinho no metrô. “Em um domingo ensolarado, dei a ele um mapa do metrô, um bilhete, US$ 20 e algumas moedas, para o caso de ele precisar fazer uma ligação”, escreveu. A maioria dos leitores condenou sua decisão. O incidente levou Leonore a criar um blog e escrever o livro Free-range kids: giving your children the freedom we had without going nuts with worry (algo como Crianças independentes: dando a seus filhos a liberdade que tínhamos sem enlouquecer de preocupação). Ela acredita que muitos pais não têm coragem de soltar os filhos por culpa e medo da reação alheia. “Os pais devem se basear no potencial de suas crianças, e não no que os vizinhos vão dizer”, afirma.

Afinal, com que idade as crianças devem começar a sair sozinhas? Os psicólogos argumentam que o momento certo é muito variável. Antes dos 8 anos, nunca. Nessa idade, elas mal aprenderam a ler, são mais frágeis e não avaliam ainda causas e consequências. Depois disso, é uma questão que cabe aos pais e à própria criança decidir. “Guardadas as particularidades, o ideal é que seja na fase da pré-adolescência”, diz a psicopedagoga Sílvia Amaral, coordenadora da clínica multidisciplinar Elipse, de São Paulo. Ou seja: a partir dos 11 anos. “De acordo com Jean Piaget (psicólogo suíço que estudou o comportamento infantil), nessa última fase da infância a criança já sabe lidar com a novidade e tem capacidade de interiorizar regras, lidar com o imprevisível.”

A analista de sistemas carioca Cristina Rosa, de 43 anos, considera que os 13 anos é a idade para soltar os filhos. O mais velho, Bernardo, hoje com 16 anos, precisou de incentivo para se aventurar. “Ele sempre preferia que alguém o acompanhasse. Aos poucos, foi ficando mais seguro”, diz Cristina. Neste ano, depois de uma viagem de um mês à Alemanha, Bernardo passou a ir de ônibus a locais mais distantes. Já Bruno, o caçula, de 12 anos, não quis esperar o “prazo”. Bruno é levado até a metade dos trajetos e segue a outra metade sozinho.

Para psicólogos e educadores, não há fórmula para proteger uma criança ou adolescente nas ruas, até porque é impossível prever todas as situações. O segredo da segurança é o treino e a familiaridade com locais e trajetos. Todos os especialistas são unânimes em dizer que adiar o momento de liberá-los para o mundo é subestimar sua capacidade de cuidar de si mesmos. A confiança dos pais é o combustível para a autoconfiança dos filhos. “É preciso arriscar e delegar, apesar dos perigos. Tirá-los da redoma é ajudá-los a crescer”, diz a psicopedagoga Sílvia Amaral.

Sabemos de tudo isso, também sabemos que nossos filhos são nosso bem mais precioso, então: ¨Quem se anima?¨

Fonte: Revista Época, Outubro/2009.


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